nosso primeiro gol

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Nosso primeiro gol é uma crônica sobre futebol na infância, ok. Mas você não precisa ser apaixonado por futebol para se interessar pelo texto. Pode ser um apaixonado por vôlei, atletismo, tênis, esportes aquáticos, handebol, lutas ou até mesmo videogame. Dessa forma, o que importa é a essência dessa crônica: quando foi seu primeiro ponto, gol, cesta, ace, vitória, derrota… quando aconteceu seu primeiro sorriso por causa do esporte que você praticava? (mas, sim, eu só falo aqui de futebol…)

Nosso primeiro gol é minha crônica sobre a primeira vez que marcamos, na infância, um gol. E a pintura que pensei para ilustrar o texto é este: Futebol (1935), de Candido Portinari. O pintor paulista nasceu em Brodowski, interior do estado. Ele deve ter-se imaginado jogando bola, criança, exatamente como no quadro...
Nosso primeiro gol me lembrou esta pintura, chamada Futebol (1935), de Candido Portinari (1903-62). O pintor paulista nasceu em Brodowski, interior do estado. Por que lembrou? Bom, é meio óbvio, mas além da obviedade, tenho um motivo: ficava imaginando se ele se imaginava jogando bola, criança, exatamente como no quadro… talvez até ele tenha marcado o primeiro gol dele aí, nessa pelada.

Uma crônica sobre quando éramos crianças e jogávamos bola.

Você lembra quando você fez seu primeiro gol? Eu lembro. Tinha seis anos e joguei com trocentas crianças num espaço que ficava entre dois prédios (eu não morava em nenhum deles, mas morava perto, em outro prédio) na Cohab I, de Carapicuíba, no final de 1979.

Eram muitas crianças correndo em busca da bola. E cada uma que conseguia ficar com ela, não passava para ninguém e, portanto, tinha de driblar todas as muitas crianças pelo caminho para fazer um gol num golzinho marcado por pedras. Ninguém conseguia fazer um gol. Eu era muito rápido para a idade. Sabe o showbol? A bola que nunca sai? O lance de você tabelar com a parede? Então, eu fazia isso. E como era muito rápido, deixava todas as crianças para trás.  Não conseguia fazer um gol porque sempre tinha uma criança que ficava dentro do golzinho!

É isso, não jogávamos futebol, jogávamos bola

Mas eis que achei uma solução. Meti a chamada ‘bicuda’ na bola. O garotinho levou uma bolada que doeu na alma. Chorou, claro. Os outros me recriminaram por chutar forte demais, mas me fingi de tonto, que não era comigo. O jogo continuou. Peguei na bola de novo e saí fazendo fila. Dessa vez, alguns meninos vinham pra me machucar, pra chutar a bola… se me acertassem seria bom também pra eles. Mas o que eu queria, consegui, ao finalmente chegar perto do gol, com aquele mundaréu de crianças me perseguindo, fingi que chutaria forte de novo, o outro pequeno que inventou de ficar no golzinho saiu, aí toquei de chapa.

Gol.

Meu primeiro gol, que só consegui à custa de tática de guerrilha. Fui cruel até certo ponto. Alguns diriam que fui guerreiro, que futebol é raça etc, etc. Mas fiz isso com seis anos, e não fui ensinado por um professor de escolinha de futebol. Aprendi na rua. Botei medo no garoto e nos outros. Usei o emocional deles. Não fiz de propósito, porque eu só era uma criança. Fiz intuitivamente. Por personalidade, sei lá. Mas sempre que joguei futebol na rua, depois disso, nunca desisti, jamais gostei de uma derrota. Aceitava que outros fossem melhores, mas não aceitava perder por preguiça. E não gostava de trapaça. Se a bola saiu, saiu, se não saiu, não saiu.

Já vi em minha infância muitas crianças, garotos, adolescentes que eram ótimos, mas lhes faltava tesão pela vitória. Não digo que se deva usar do jogo sujo. Eu não gosto disso. Quando chutei a bola no garotinho, entendam, o garotinho é que estava errado. Ele não podia ficar dentro do golzinho. Era um jogo sem goleiro. Ficar dentro do golzinho era covardia. Ele estava errado. Ninguém corrigia esse erro e o jogo estava ficando sem graça por isso.

Então, eu resolvi arrumar as coisas.

Mas arrumei do meu jeito. Do único jeito que eu, aos seis anos, conhecia. E é disso que estou falando. Não aceitar derrotas, buscar alternativas para vencer, não ligar se você é mais fraco, não se iludir se você é mais forte, tudo isso faz parte do repertório do vencedor, do vencedor que perde, do vencedor que sabe vencer e perder e empatar. Vejo com tristeza no mundo do futebol ‘business’ jogadores que poderiam fazer muito, mas não fazem porque se deixam derrotar por uma condição física ruim, por um abalo emocional, ou qualquer outra coisa que lhes tire a concentração.

Eu sei, há coisas que não devem ser ditas, não devem ser ouvidas dentro de campo. Há gente que joga sujo e há árbitros que não enxergam ou escutam ou não ligam para isso. Injusto, eu sei. Mas não se deve desistir. Há que se buscar uma saída. Não podemos perder para injustiças ou para nós mesmos.

Por que estou falando isso? Porque o futebol está ficando chato com o excesso de tribunais e preconceitos ridículos, ou com treinadores preocupados com o emprego e não com o futebol. Quem está preocupado com o futebol que se joga? Ou a forma de jogar? A preocupação é a forma de ganhar o jogo. Quando criança eu queria ganhar o jogo, sim, mas queria jogar bola. Jogar, entendem?

Esse esporte gera muito dinheiro, não é? Mas ele só funciona porque apaixona. Como vou manter minha paixão por algo que não leva em consideração minha emoção? Pensem sobre isso e vejam se não faz sentido com certos times, certos jogos, certos jogadores, o que falei mais acima… eu só peço que os donos do futebol e seu sistema entendam que precisam deixar que os jogadores voltem a “jogar bola”, com toda sua graça, técnica, malícia e sabedoria popular. Futebol é negócio, mas o negócio não deve ditar ou controlar aquilo que é humano dentro do futebol, que é um esporte elegante feito para os deselegantes jogarem. É isso.

Então, você lembra como foi ou quando foi seu primeiro gol?

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