crônica de uma viagem anunciada

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A Queda de Ícaro, óleo de Jacob Peter Gowy (1636-37) é sobre nosso desejo, às vezes arrogante, de fazer o que não nascemos para fazer: voar, por exemplo.
Crônica de uma viagem anunciada não é trágica como o mito grego sobre A Queda de Ícaro (1636-1638). Este é um óleo sobre tela de Jacob Peter Gowy (1615-1661) – um pintor flamengo do barroco – e diz sobre nosso desejo, às vezes arrogante, de fazer o que não nascemos para fazer: voar, por exemplo. Porém, esse desejo é o que move as descobertas e os deuses gregos não eram muito fãs de que a humanidade fosse tão independente assim. E nós estamos sempre na fronteira de ser um Da Vinci ou de ser um doutor Frankenstein, ou morrer como Ícaro.

 

uma criança. com os olhos na janela, vislumbrando – vislumbrado!! – o chão. 
o chão que não se afasta logo. o avião que demora a decolar. a vida que demora a acontecer. crianças são impacientes, ansiosas. e porque estão no mundo há pouco tempo acham que tudo tem de levar pouco tempo pra acontecer. enfim, quando o avião decolou, como um foguete, o sorriso finalmente apareceu no rosto infantil. ah, levantou-se voo. como o inevitável primeiro beijo. o chão se afastou na medida em que o tempo passa quando se trabalha muito naquilo de que se gosta. a criança grudou os olhos na janela minúscula e esperou pelo momento em que o avião ultrapassaria as nuvens. 
como seriam? um mito poderia cair naquele instante: o de que as nuvens eram de algodão.

Algodão é feito de nuvem…

mas na verdade, criou-se outro mito: o de que o céu virou o mar e o mar virou o céu. algo assim. porque quando a criança olhou o céu e o chão, pensou estar na praia. vendo o chão parecer o mar, vendo a linha do horizonte separando o mar do céu. ambos azuis. e vendo a areia branca. era a coisa mais linda que jamais viu em toda sua vida. mais lindo do que aquela garota linda que conheceu, de lindos cabelos longos, de lindo sorriso puro, de gestos lindos. como era uma criança, a melhor palavra que conhecia era lindo ou linda ou seus plurais.
os olhos da criança lacrimejavam por emoção e por pouco ter dormido. e porque a claridade era imensa, como a paixão nos ilumina, os olhos não podiam suportar ver, assim como o coração não podia com tanto carinho. chorar era a maneira de suportar a dor de manter os olhos abertos.
a criança relaxou e descansou um pouco.
já perto de chegar a porto alegre – a criança não tem certeza – em certo momento, achou estar vendo o mar, ou o céu (que está embaixo!!) ou nada. podia ser o nada. depois, era possível ver uma porção de estradinhas, como veias de um coração inchado. e tudo se movia tão devagar que era possível brincar de imaginar que nas estradinhas lá embaixo havia um carro muito, muito veloz que caminhasse por elas numa velocidade inimaginável, atravessando montes, vales e serras. a criança se divertiu muito com isso. até esqueceu por algumas horas a menina linda de cabelos longos e lindos.

Chegou…

chegou a porto alegre. o pouso foi incrível. as sub-asas do avião voltaram ao contrário e usaram o vento pra frear. também a criança não sabe o nome daquilo então chamou de sub-asas. o que importa é que de repente, o avião saiu de uma muita velocidade pra uma pouca.
saiu de porto alegre. levantar voo outra vez provocou a mesma emoção da primeira vez. é como se o segundo beijo fosse a confirmação do sentimento recíproco do casalzinho de namoradinhos. a criança lembrou que nem sequer deu o primeiro beijo na menina linda de cabelos longos e sorriso lindo, e ficou momentaneamente triste.
mais uma hora e pouco para montevidéu. estava a dez mil metros do chão. mais que o Everest do chão. se o Everest estivesse embaixo do avião, seria possível vê-lo como um trocinho pontiagudo distante a dois mil metros. muitas áreas rurais, muitas fazendas, muitas vaquinhas, que pareciam brinquedinhos, coisinhas miudinhas que davam vontade de brincar.        
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