cangurus, bolsas, botas, cintos apertados e frases inocentes

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 Google+ 0 Filament.io 0 Flares ×

enquanto os fiéis ao regime kadhafi-gadafi-khadhafi resistem bravamente ao óbvio fim, o que não termina por aqui é o preconceito disfarçado de indignação politicamente correta. o faustão, brilhante apresentador, faz piada com o bolsa família (por que não fez com o bolsa-imprensa, que a veja, a folha, o estadão e a época – da globo – recebem em são paulo?). é fácil bater em alguém que todo mundo adora xingar. mas quando se olha – quem olha? – para o próprio umbigo, não é difícil descobrir outras bolsas-ajudas que muita gente da classe média já usou, usa ou frauda para usar… porque, filosoficamente, se uma bolsa é ruim, todas são. porque nenhuma bolsa ensina a pegar o peixe. mas esse raciocínio de que o pobre não deve ser ajudado, deve aprender a se virar, só funciona pra pobre. o classe média não precisa que lhe ensinem a pescar. ele já sabe, não é? mas ele não se importa de estudar numa universidade pública, mesmo sabendo que a família dele poderia pagar uma particular. ele não se importa de ter carteirinha de meia entrada para o show do justin bieber ou do u2, porque assim ele economiza o dinheiro do papis. ele não se importa de dar um jeito de ter meia entrada bancada por gente como eu – que banco todos: a aposentadoria da minha mãe, os passes livres de idosos em ônibus, os passes livres dos deficientes físicos, as meias entradas, as bolsas de faculdades e bolsas-famílias. eu estou naquela faixa etária e econômica em que eu pago tudo e não levo nada. meus impostos, pesados, vão pra isso também. afinal, qualquer incentivo público sai do bolso de alguém. sai do meu. mas se for bem usado, se fizer com que o cidadão melhore, e com isso, esse cidadão melhore mais gente ao seu redor, teremos uma sociedade melhor. a lógica boa diz isso. a lógica humana, de contradições e mesquinharias, diz que sempre alguém vai querer burlar isso, fraudar. em qualquer lugar. em qualquer nível cultural e político. então, o que fazer? cortar TODAS as bolsas? ou fiscalizar, procurar e punir os fraudadores, os aproveitadores? sou filho de costureira e ferramenteiro. fiz universidade pública. e se não tivesse conseguido bolsa por um ano, teria passado fome (que aliás, passei um ano antes exatamente porque não tinha dinheiro nem emprego – eram tempos colloridos). hoje, minha mãe ganha uma boa aposentadoria. eu tenho duas faculdades, um bom emprego e virei classe média. sou um bom exemplo? ótimo. e os maus exemplos? punição, ué. eu também não gosto de sustentar miséria (dar esmolas ou dar dinheiro para instituições que resolvem o problema da miséria?). mas quando há um projeto para eliminar a miséria, e esse projeto dá resultados (e a preguiça nacional de se informar e procurar saber dos resultados?), aí não interessa fazer piada? sabe o que parece? (olho pros lados antes de dizer, com receio de levar flechadas dos civilizados) parece preconceito contra pobre e nordestino. como se só o pobre fosse malandro, espertinho, aproveitador, preguiçoso, que vai encostar numa ajudinha do governo… e todos aqueles que mudaram de vida, melhoraram, cresceram e pararam de receber a ajudinha? como eu, que sou filho de nordestinos, sou paulistano, filho de negro com índio e branco? repito: cuidado com o preconceito disfarçado de boas intenções. começou com fhc chamando aposentados de vagabundos. anos depois, em 2010, a mulher do serra chamou a bolsa família de bolsa vagabundagem… no que foi devidamente rebatida logo depois. pra mim, tudo isso soa como aquelas frases feitas, feitas para humilhar aquele que sofre a piada, como aquelas frases racistas contra negros, que ainda ouço por aí em rodas de brancos de bom coração, mas que nem percebem o que estão dizendo (“negro quando não faz merda na entrada faz na saída”, dizem)… até meu pai falecido, de mistura negro-índio, falava isso pra mim quando eu era criança. e eu, criança, reproduzi essa frase para meus tios (negros) uma vez, e acrescentei: não gosto de preto. aí um tio virou e disse: mas seu pai é preto. aí a criança-eu disse: não, meu pai é moreno…

ah, doces frases preconceituosas inocentes que adoramos repetir sem pensar nelas…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*


*

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.