Chatos, culpados, mordidas e Fifa sem noção (01/07/2014)

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O Tríptico do Juízo Final (o pecado original, à esquerda, o juízo final, no centro, e o inferno, à direita) é um quadro do pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516), cujo nome real era Jeroen van Aeken. A obra tem uma data provável: 1482.
O Tríptico do Juízo Final (o pecado original, à esquerda, o juízo final, no centro, e o inferno, à direita) é um quadro do pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516), cujo nome real era Jeroen van Aeken. A obra tem uma data provável: 1482.

Vamos combinar assim. Cada um assume o seu erro. É simples, prático, eficiente, incolor e indolor.
Quer dizer, quase indolor.
Dói na alma de quem admite o erro, nesse orgulho besta, da gente que precisa assumir em público o “ops, fui eu”, my mistake, i’am sorry, i beg your pardon,  excusez-moi, Je suis désolé, eu fiz merda.

É isso.

Desde bebês somos assim. A gente brinca com a colher enquanto finge que come a comida da mãe. Derruba a colher na frente da mãe. Ela olha com olhar de bronca e diz nosso nome em tom de reprovação. A reação é imediata. e por isso mesmo, irracional: não fui eu, mãe!

Como não foi?
Cinco segundos depois, percebemos a burrice que falamos. Assumimos, constrangidos, o erro. Mas procuramos desculpas, falhas nos outros, no tempo, na colher que é torta e me enganou, a comida que é sem gosto, ou: não tô com fome…

A gente cresce e a síndrome do “não fui eu” continua.

A gente pega o ônibus. se aproxima da porta pra descer. Dá o sinal. soa o barulhinho do sinal. Acende a luz de que a parada foi solicitada. O ônibus ameaça passar reto, mas não passa porque o sinal vermelho ligou. Aí o passageiro olha para o cobrador, o cobrador diz para o motorista: vai descer. Aí o motorista abre a porta, não sem antes falar, porque ele podia ficar calado mas não fica, e diz: tem que tocar o sinal…

O que falar nessa hora?

A gente aponta para a luz piscando, indicando que o sinal foi dado. O motorista insiste em falar as groselhas dele. Aí você se irrita e fala: eu toquei, a luz acendeu, apitou, mas você não viu nem ouviu. E o motorista continua falando. Você desce, irritado e não dá mais bola. O motorista segue a vida dele achando que está certo. E você vai embora, achando que o mundo é injusto e as pessoas são insuportáveis.

O cidadão zen-budista diria: relaxe, não se deixe abater por isso. a vida é bela, não se estresse, um motorista de ônibus não vale a úlcera.

Eu mandaria esse cidadão zen-budista à merda. Depois eu diria: qualquer um vale a úlcera. Se eu quisesse ter uma. Mas não quero. Justo eu que sempre procuro tirar algum ensinamento zen-budista das coisas chatas da vida. E tirei essa: as pessoas têm uma dificuldade monstruosa de assumir as merdas. Bastava dizer: o senhor deu o sinal? Então me desculpe, eu não ouvi. Me desculpe mesmo… O que eu faria? Nada. Diria: ok, sem problemas.

No futebol não é diferente. Jogadores, juízes, técnicos, dirigentes. Todos fazem alguma besteira, dizem que não foram eles, não se desculpam, ficam na defensiva, culpam a imprensa de tudo, e depois, mais calmos, pedem desculpas ou admitem aquele erro que não quiseram admitir antes. Vamos aos fatos, só fatos. Suárez mordeu Chiellini. Ponto. O juiz não viu. A Fifa costuma usar imagens de tv para punir situações parecidas de agressão não vistas por juiz. Todos sabem disso. E ela fez. Puniu. O rigor foi ridículo de exagerado. E aposto que um dia (mais calma), a Fifa irá rever a punição. No dia seguinte da mordida, os jogadores uruguaios chegaram a dizer que Suárez não tinha mordido, ou que não havia certeza disso. Defenderam o indefensável. Bastava que os jogadores e o técnico admitissem logo a bobagem que o Suárez fez e a imprensa não teria pegado tão pesado. Fato que influenciou, sim, a Fifa. Se o Suárez tivesse aparecido no dia seguinte e pedido desculpas e dito “Nunca mais vou fazer isso. Sei que não é a primeira nem a segunda vez. É a terceira. Mas juro que nunca mais farei isso…” etc, etc… Suárez não fez isso. Os uruguaios usaram a tática errada de botar a culpa em todos, menos em si mesmos. A imprensa não gostou. A Fifa não gostou. Ninguém gostou. A atitude soou antipática (independentemente de os uruguaios terem razão ou não em seus argumentos). Pareceram chatos. A Fifa foi chata. A imprensa, que insistiu nesse assunto, foi chata. Suárez, já em casa, dias depois, pediu desculpas. Chiellini disse que já tinha perdoado e esperava que a pena de Suárez fosse reduzida.

É humano. Todos negamos as merdas que fazemos. Não foi só o Uruguai que fez isso. Se eu fosse uruguaio meu sangue ferveria também. Mas a confusão toda só aconteceu porque Suárez mordeu (pela terceira vez!). Chiellini é um santo? Não. Mas o que isso tem a ver com o fato? Quando acontece conosco, negamos tudo e/ou botamos a culpa nos outros. Desviamos o foco.

Depois… bom, depois é depois. Cara, Fifa (que não é lição de moral para ninguém): tire esses 4 meses de punição para o Suárez… não seja chata. (texto escrito em primeiro de julho de 2014)

***(Atualização: a fifa continuou chata, Suárez demorou pra jogar pelo Barcelona, mas quando o fez, voltou a ser o excepcional atacante que é, sem mordidas – só que continuou fora da Copa América no Chile. Suárez e Chiellini fazem a final da champions league – barcelona x juventus – e o italiano disse que tá tudo bem entre eles – só não podemos dizer o mesmo em relação a Suárez e Evra – que é companheiro de Chiellini na Juve – afinal, nesse caso houve denúncia de racismo…)

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